Ela tinha duas cadeiras antigas em gobelain.
Todos os seus móveis e objetos de decoração eram de época, muitos ganhos de antiquários para os quais meu padrinho fazia favores e que o adoravam. Os lustres eram de cristal tcheco, os móveis da sala de jantar, ingleses.
Num canto da sala de estar, com enormes sofás de veludo vermelho (ou seriam amarelos?) e cortinas com borlas douradas havia uma espécie de nicho com várias prateleiras na parede e ali, minha madrinha exibia sua coleção de marfins, delicadas esculturas, bonequinhas de porcelana, com sainhas de tule e renda, bichinhos esculpidos em cristal. Este nicho tinha uma luz indireta, como se fosse uma vitrine e, meus olhos de criança paravam, pasmados, diante de tantas belezas intocáveis, aflita mas conformada, segurando meus dedinhos ávidos por tocá-las, um pouquinho que fosse, mãos postas atrás das costas.
Meus padrinhos não tinham filhos e eu era adorada por eles. Sua casa para mim era um palácio. Minha mãe, nervosa, recomendava:
- Filha, senta com modos, nada de correrias que a casa de tua madrinha tem tantos objetos caros e de valor que eu nunca poderia pagar por sequer um deles.
E lá me sentava eu, no chão, admirando a imensa carruagem de porcelana de Sèvres, na mesa de mármore carrara de centro, com seus corcéis emplumados e correntinhas de verdade, com damas de porcelana altivamente sentadas, olhando pelas janelinhas...acho que vem daí, da minha infância, minha paixão por miniaturas...Eu ficava boquiaberta admirando cada pequeno detalhe...acho que também vem daí minha paixão por detalhes...não fosse esta narradora uma legítima virginiana...
Eu, uma criança, a cada vez que ia visitar minha madrinha, me deleitava naquele imenso apartamento que tinha uma varanda que se chamava "jardim de inverno". Cada canto, cada pequena minúcia me deixavam louca de alegria, pelo privilégio de olhar tanta beleza...as telas, todas legítimas que enfeitavam as paredes da sala de música, tudo era tão encantador e sempre tão novo para mim, como se, a cada vez, a casa se tornasse outra e eu fosse descobrindo mais um detalhe novo que não havia percebido antes...Mas o que eu mais amava e nunca tive coragem de dizer à minha dinda eram as suas cadeiras de gobelain bordadas com ramalhetes de flores no encosto.
As cadeiras eram de laca bege quase creme e o tecido em fundo bege também com aquele ramalhete de flores diversas, muito coloridas, no encosto...Eu as olhava pensando..."um dia vão ser minhas..."
Não foram...Não sei que fim levaram quando minha madrinha morreu, já mal de vida e com sua única sobrinha que teve que vender muitos bens para ajudá-la a sobreviver. Muitos certamente também ficaram com ela, não sei, nunca mais tive contato...
Sempre que eu ia passar a tarde com eles, minha madrinha tinha um armário no quarto dos fundos com muitos blocos e cadernos e, claro, era com isso que eu podia brincar...Me dava lápis de cor e muitos blocos. Desenhava, fazia cartas de amor para eles e ela, sempre orgulhosa da inteligência da afilhada, dizia para o meu padrinho:
- Olha só Valdo, ela coloca até as tomadas e os fios ligados nelas! Essa menina é muito esperta, nunca vi coisa igual. Coisas que as crianças hoje em dia fazem muito melhor e com mais detalhes...mas eram os anos 60 e a esperteza das crianças ainda surpreendia os adultos, principalmente os casais sem filhos...
Ela preparava bolos e coisas que eu gostava de comer para o lanche e essas tardes passadas lá, me voltaram agora ao me deparar com a foto desta cadeira que me lembrou, de imediato, as cadeiras dos meus sonhos.
Minha madrinha Elza e meu padrinho Euvaldo foram os melhores padrinhos que uma criança poderia ter tido...Pensando na minha vida, fui privilegiada em tantas coisas, tive sorte, tive amor, tive carinho demais...Fui feliz.
A cadeira foi-se, mas ficou a lembrança e esta, ninguém me tira...estará para sempre no meu varalzinho, aquele que vocês já conhecem, onde penduro as coisas que nunca esquecerei...
Não era bem assim, mas foi o que achei na net de mais parecido...as dela tinham um ramalhete no encosto, bem colorido e a madeira foi laqueada de bege...descobri: era vitoriana.
Quanto mais escrevo mais vou me lembrando das coisas lindas que vivi e meu varal vai ficando cada vez mais carregado de lembranças felizes...Viver não é nada fácil, mas é tão bom....
Dedico este post à memória dos meus padrinhos tão amados e que me amaram tanto.
PS: Leiam tb meu outro blog: o Café com Bolo & Poesia. Tem poesia nova por lá...
PS 2: No blog Me and You da amiga Beth tem poesia minha lida e lindamente interpretada. Visitem e prestigiem.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
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27 comentários:
Glorinha,
Lembranças bonitas e contadas com carinho tão gostoso! Seu varalzinho já é um varalzão. rs De que data de setembro você é?
Girassóis nos seus dias.
Beijos
Lindas e doces lembranças que nos acompanham e não as devemos deixar que se apaguem...beijos,chica
Pois é, Celina, já virou mesmo um varalzão...rsrs eu sou do dia 18 de setembro...quase quase primavera...Beijos querida,
É sim Chica...as lembranças são as que ficam, né? As pessoas e os objetos se vão... Beijos querida, obrigada,
São essas ternas lembranças que enchem o varal de mimos, de conforto, de gratidão e espelham n'alma a certeza de sentimentos seguros, carinhos presentes,ocasiões festivas por mais simples que possam ter sido.
Nesse relicário encontra-se tbém a confiança de que dias assim, duma felicidade simples sempre estarão a seu alcance.
Confie nisso e prossiga, amiga.
Adorei saber sobre esses mágicos momentos.
Bjos mil,
Calu
Olá Glorinha,
As lembranças boas jamais são esquecidas...e eterniza as pessoas que nos proporcionou momentos felizes.
Eu tenho pouco a dizer dos meus padrinhos, representaram muito pouco para mim(ou nada para ser sincera).
Ahh, meu sogro ganhou 8 destas cadeiras vitorianas, e doou ao meu irmão, que gosta destas peças antigas. São exuberantes. Admiro, mas não combinaria com nada do que tenho em casa.
A única diferença é que os desenhos (flores, galhos) são sao coloridos....sao todos na mesma tonalidade da forração (bege claro, quase amarelo).
Um beijao
Oi querida Calu, relembrar esses momentos é uma forma de re vivê-los...é tão bom recordar coisas que nos fizeram felizes, né? Beijos, obrigada,
Momentos felizes devem ser sempre lembrados, guardados, pra que lancemos mão deles nas horas de tristeza, quando precisamos de força e amparo...ah, essas cadeiras, são tão lindas! beijos Luzinha, minha conexão tá uma droga!
Glorinha
Agradeça sempre mesmo pelas coisas boas que a vida te proporcionou.
Padrinhos, segundo dizem, são os nossos segundos pais não é?
Eu nem me lembro dos meus de batismo. Me lembro pouco da minha madrinha de crisma, que não se esquecia de mim nos natais.
Deliciosas lembranças.
bjs
Oi minha amadinha,
Que saudades!
E eu vindo aqui para te falar das minhas saudades de vc e encontro um relicário, lembranças tão doces.
Que gostoso ler, me perdi sonhando nos detalhes minuciosose belos. Também tive uma tia assim,só que madrinha de meu irmão, mas que me amava muito.Sua casa era linda, eu adorava ficar na sua penteadeira antiga, aquelas de espelho bem grande vertical creio que era de cristal, cheia de vidros de perfumes coloridos. Eu entava em outra dimensão. Sonhava e sonhava. Amiga, me encontro tanto em suas memórias.
Que bom compartilhar destes seus momentos tão lindos!
Beijos no seu coração, querida!
Glorinha
GRato por seu comentário e a delicadeza de sua lembrança: sim! estou a realizar um sonho em estar aqui em Portugal e, ao mesmo tempo, revendo meu pai e minha irma, tudo muito lindo e maravilhoso.
Li teu texto e, como sempre, muito lindo e bem escrito.
Estejas bem agora e sempre!
Amplexos
Oi Macá, meus padrinhos povoaram a minha infância de felicidade! Relembrar disso tudo é resgatar afetos e revivê-los, beijos querida,
Oi Izabel San querida mestra! Sabe que no quarto da minha madrinha tb tinha uma penteadeira assim? Como é bem lembrar dessas coisas que nos fizeram felizes um dia, né? Saudades tb de ti, minha amada amiga! beijo grande,
Gilberto, fiquei tão feliz por vc! nem imagina quanto! Vc é português? Eu achava que sim mas não tinha certeza...que delícia realizar sonhos! Felicidades, meu amigo! Beijo grande, aproveita bem!
Com certeza querido Alê. As lembranças funcionam como um apoio sim,e vc, como bom observador da alma humana que é, leu nas entrelinhas...sabe tudo de gente esse meu amigo japa, o melhor amigo do mundo! Beijão,
SorTUDA!
rsss
Linda história.,., lindo este varal de vivências, que sutil e profundo!
Saudade de vir te ler minha querida escritora!
Sabia alma que sabe guardar os momentos felizes, é tão mágica esta história que li e a reli para ver se era vc mesma a agraciada afilhada... adorei saber o nome destas cadeiras, gobelain... um requinte que só encontro aqui, nestes dias de gente sem requinte.
Gratidão.
Um beijo de luz doce pra você,
que mora no meu coração!
Que bom que tive um tempinho de te fazer uma visinha pra tomar um café sem bolo, por favor, pois estou de dieta. Mas só em me sentar nesta potrona já valeu ter deixado a minha visita ir ao Schönbrunn sozinha.
Glorinha, sempre que posso venho te ver. Adoro seu blog. Vc é incrível! Breve estarei de volta.
Um beijo, querida e obrigada pelo café! Ah, e por me deixar sentar na sua poltrona linda.
Iram
Glorinha, fiqui emocionada lendo seu post. Fechei os olhos e consegui visualizar a menina deslumbrada com a casa linda da madrinha, senti até o cheiro do bolo. Sua escrita tem o dom de fazer isso com a gente, nos transportar para dentro do seu texto e também aflorar em nós sentimentos e saudades esquecidas. Amei. Falei de vc no meu post de hoje. Adoro você amiga. Saudades e já esperando janeiro chegar.
Bjs
Oi William, obrigada por TUDO! hehehe Adoro! Pois é, re-lembrar momentos felizes é re-vivê-los, né? Isso dá força pra gente continuar na caminhada...beijo grande querido!
OI Iram querida, seja sempre bem vinda pra tomar meu café com ou sem bolo! rsrs Obrigada pelas lindas palavras, é essa força dos amigos que me dá força pra continuar, beijo grande,
Ai Gi, querida, amiga amada! Como é bom saber disso, que a minha escrita transporta os leitores pro lugar onde estou, estive ou nunca fui, mas imaginei...isso é um retorno enorme pra um escritor! Beijos minha linda, obrigada,
Glorinha, você comemora aniversário junto com meu irmão e meu amigo Marco (Antigas Ternuras) - Já lhe falei dele. E também a Clau Finotti, outra blogueira.
Yes party! Vamos fazer uma grande festa!!
Pois seus padrinhos ainda achariam que você é esperta e teriam muito do que se orgulhar!!
Único móvel que lembro da infância é de uma penteadeira antiga da minha avó. Tinha tampo de mármore e espelho em 3 partes. Essa penteadeira era bastante comum.
Bom fim de semana! Beijus,
adorei ler isto. bjs
Oi Luma, a Clau, eu já sabia, seu irmão, não lembro se vc já tinha me falado...adoro o dia do meu aniversário...acho um dia lindo...perto da primavera...Tenho certeza que meus padrinhos iriam se orgulhar de mim, sim. Essas lembranças são muito boas, nos dão respaldo pra seguir com a vida. Beijos,
Obrigada Angela, querida, beijos,
Que história linda, Glorinha, cheguei a me arrepiar. Adoro coisas de família (herdei umas coisinhas que amo) e adorei teu carinho pelos teus padrinhos. Tomara que a minha afilhada lembre assim de mim. Ah! E obrigada pela visita ao meu blog, onde me dou ao luxo de falar sobre o meu amor pelos livros e pela leitura. Fiquei honrada e feliz, já conhecia o teu e passo por aqui mas nunca tinha comentado.
beijão e ótima semana
Obrigada pela vista Denise, honrada fico eu de ver gente inteligente gostando do que escrevo, não que os outros não sejam, mas é sempre bom dar boas vindas a quem gosta de livros como eu! Obrigada, volte sempre pro meu Café, beijos,
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