Estava ainda agorinha, fazendo almôndegas para o jantar e, enquanto fazia os bolinhos e os fritava, me lembrei do meu Tio Alberto, casado com a irmã de meu pai, Tia Lygia, que eram padrinhos de minha irmã.
Eles não tiveram filhos e adoravam os sobrinhos. Minha mãe dizia que meu tio Alberto era mais italiano que minha tia...ele, filho de espanhóis, ela de italiano com brasileira, filha de italianos...
Ele era sangue quente, falava alto, se empolgava, as veias estufavam...Havia sido pracinha na Segunda Guerra e eu gostava de ouvir suas estórias.
Ele sabia que nós, as crianças, adorávamos as polpetinhas que ele fazia, com carinho de artesão, minúsculas, bolinhas perfeitas e deliciosas, perfumadas e sequinhas...
Eu e meus irmãos tínhamos o costume de passar férias com eles. Acho que minha mãe, com pena deles não terem tido filhos, nos mandava durante alguns dias das férias. Nós adorávamos ficar lá, pois eles nos agradavam de todas as maneiras, nos levavam ao cinema, nos davam presentes...A única coisa que eu odiava era que quando eu tinha as crises de asma, ele colocava cataplasmas quentes no meu peito para que eu expectorasse...Para quem não sabe, cataplasma era um tipo de creme que vinha num pote de vidro e tinha que ser aquecido e colocado sobre o peito e costas antes de dormir. No que consistia aquilo, na verdade, eu não sei, só sei que melhorava mesmo...Coisas do tempo do Dom João Charuto como diria minha mãe.
Pois bem, meu tio Alberto cozinhava muito bem e sempre procurava nos agradar fazendo comidas das quais gostávamos...Eu, uma chata de galochas, era péssima para comer, magra feito um graveto
(quem diria, hoje vivo a fazer regimes!), não gostava de nada, era mesmo muito inapetente e ele a querer me entupir de comida toda vez que eu ia para lá...Hoje, fico pensando que ele tinha mais instinto maternal do que minha própria tia, pois ele cuidava mais da gente, ficava mais preocupado, enquanto que minha tia era mais de fazer nossas vontades, de nos levar a passear.
Eles tinham mania de limpeza. Os dois. A casa de minha tia tinha um cheiro que nunca mais senti em lugar nenhum, parecia uma câmara à prova de poeira e sujeira, de tal modo asséptica, com tal cheiro de limpeza...Dizia minha mãe, com seu espírito crítico (que aliás, herdei), que elogiava, deselogiando: " As panelas da Lygia, ah, a gente pode se olhar nelas, parecem espelhos", o que no fundo era uma crítica ao exagero de limpeza de minha tia.
Não sei como eles gostavam tanto que fôssemos para lá "bagunçar" a ordem e a milimétrica arrumação de tudo. Talvez para isso mesmo, para terem o que arrumar, visto que nada era desarrumado nem tinha um grão de pó...Talvez para não sucumbirem ao tédio levavam as crianças da família para passarem dias por lá.
Ao fazer as polpetas ou almôndegas hoje, me lembrei com carinho desse meu tio, num dos últimos Natais em que passamos juntos, com os dois ainda vivos, minha mãe também e meus filhos, bem pequenos ainda, o chamando de vovô Beto, por causa de sua vasta cabeleira branca, coisa que possuía desde moço...
Ele chegou, todo feliz, com um pirex de polpetinhas minúsculas, feitas com todo amor, e, mal colocou os pés em minha casa, o pirex foi ao chão e espatifou-se todo e as polpetas rolaram em meio aos cacos.
Seu olhar de tristeza e decepção foi tão grande...coitado! Hoje ao me lembrar disso me vêm lágrimas aos olhos...era a maneira dele presentear as crianças que um dia fomos, através de meus filhos e dos outros sobrinhos netos. Fazer as polpetas que meu irmão amava em criança...e que eu e minha irmã também gostávamos muito...aquele ritual de todo ano ouvir alguém dizer: "Alberto, você faz as polpetas... As polpetas do Alberto não podem faltar no Natal"...
Lembrei de meus irmãos, sobrinhas ainda crianças, meus filhos pequenos, minha madrinha, minha mãe, todos reunidos em minha casa no Natal.
Lembrança triste e doce. Eu, hoje, uma jovem senhora, ao preparar o jantar, dei de cara com meu passado, com um tempo que embora não volte, deixou um sentimento bonito, uma lembrança com sabor de Natais que já não existem, mas que no entanto, foram tão felizes que não me dão tristeza... Só saudade...
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29 comentários:
parabéns pelo premio minha linda. que orgulho! o passado não vai embora se nós lembramos dele sempre com essas histórias tão lindas. isso é o tempero da nossa vida. se há uma boa razão para se envelhecer, para mim, é termos essas histórias para nos embalar. não podemos esquecer jamais desses detalhes. são nossa vida. um beijo e boa semana
Exatamente por ser tão linda, sua história não te deixa triste...só com saudades!
Lindo entardecer...e uma noite repleta de coisas boas.
Beijos doces e perfumados.
Que lindo isso. Uma lembrança deliciosa, carinhosa e sensorial, tudo de bom! O Tio Alberto das polpetas, parece mesmo um personagem fabuloso. Ainda mais por contava historias. Adorei. Quanto a assepcia, uma vez ouvi uma palestra que as alergias derivam dai. Muita limpesa tira a vida, a auto-defesa, a imunidade do organismo. Certamente voces eram convidados para encher de vida a casa desses tios que so tinham um ao outro.
Beijos e que voce tenha muitos Natais cheios de felicidade, com as polpetas do tio Alberto, mesmo que sejam feitas por suas mãos e as lembranças de uma epoca tao bonita.
Oi Glorinha!
Ainda não tive um tempinho para lhe dizer como gostei de ler seu texto premiado!! Um belissimo depoimento de vida narrado num simultâneo de proximidade e distância...um pouco como nesse conto de hoje que pinta com cores vivas a descrição de lugares que foram, ligando-os sem esforço, num roçagar de escrita perfeito, ao seu presente...
E não é que fiquei com vontade de comer almondegas...se bem que acho que aqui em Portugal são um pouco diferentes, não são fritas.
Sabe amiga querida, os que fazem da escrita destino como vc, não escrevem apaenas porque gostam de escrever, escrevem porque têm coisas para dizer...e ainda bem ...para nós que as saboreamos como ás almondegas...rs
TERNURASSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS
É isso Glorinha o passado pode ser lembrado com alguma nostalgia, mas sempre devemos tentar ver os momentos
que nos dão uma gostosa saudade sem sofrimentos. Assim como você descreveu.
Algumas vezes, isso acontece comigo, pois afinal já estou caminhando a bastante tempo.
Parabéns pela Menção Honrosa recebida. Você certamente merece.
Um Período de Natal muito feliz e um 2011 com muita paz; desejo a você e a toda a sua família.
Beijos!...
Gostei da historia do tio Alberto. Fiquei curiosa em saber da receita das polpetas dele. Que tio bacana vc. tem!!
Deixando votos de um Natal maravilhoso.
Beijos
Glorinha, o Natal também me traz este misto de sensações:tristeza, alegria e muita, muita saudade.De pequenas conversas, risos, lágrimas e sabores que jamais voltarão.
Beijos carinhosos.
Como é bom relembrar momentos de preciosos afetos. Doces lembranças que nos deixam um gostinho de quero mais....
Obrigada por sua visita e comentários. Amanhã convido-a para o fechamento da Série.
bjs,
Oi, Glorinha!
Tudo bem... tem um selinho na lateral do meu blog para você
Feliz Natal!!!
Bjosss
Também tive um tio Alberto, irmão de meu pai, mas não fazia polpetas nenhuma, embora fosse um tio lindo e bondoso.
Essas lembranças de épocas natalinas que a gente foi muito feliz, se aproximam sempre quando vai chegando os natais. Quando são boas assim, vale a pena, deixamos que a recordação vá chegando e se instala aquela saudade, mas ainda bem que, pelo menos esta, é uma saudade boa de coisas bonitas.
Por falar nisso, como ficaram suas polpetas?
Meu deu uma vontade de comer isso agora. hummmm
bjs cariocas, quentes demaissssss
Passando pra te desejar uma ótima semana de paz e alegria.
abraços
Minha querida, parabéns pelo prêmio, um reconhecimento do teu talento e da tua perseverança. Assim é a vida dos que sabem lutar uma boa luta: ir passo a passo, cada vez melhor, ascendendo.
linda a festa!
E que história gostosa de se ler... Glorinha, a cada dia nos surpreende com uma relíquia do teu passado. Emocinante!Amei, em alguns momento slembrei-me também de minha infância. Tive um tio espanhol casado com uma mada portuguesa que eram assim. Delícia seguir aqui te lendo, querida!
Aproveito, amadamiga
para deixar meus votos de Dias de muita Paz e Amor neste Natal e Ano que se inicia.
Que sejas muito feliz junto aos teus amados.
Que concretizes todos os teus sonhos!
Beijos no teu coração!
Oi queridona! Obrigada, e tem toda razão :a saudade é um dos temperos da vida...Não há quem não tenha sentido isso um dia, beijos,
Oi Majju, obrigada, sempre tão gentil, uma boa noite linda e mágica tb para vc, beijos,
Oi Camille, era mesmo, tio Alberto brincava com as crianças, era muito divertido, meus filhos o adoravam como o avô que não tiveram. Boas lembranças tenho dele e de minha tia Lygia...saudade...palavra de quem viveu momentos felizes, beijos,
Loli, fiquei com meus olhos marejados ao ler tua descrição do que é ser escritor...que coisa linda. Tu és uma pessoa muito especial mesmo, sensível e singular.
Fico feliz que tenhas gostado da minha estória. Sabe o que é? Acho que coloco toda a minha emoção quando conto algo, por isso, passo verdade e sinceridade para quem me lê.
Um dia, quem sabe junto todas essas estórias num novo livro?
Obrigada por teu carinho, beijo grande,
Oi Élys, obrigada meu amigo, vcs são todos muito gentis comigo, grande beijo e Felizes Festas pra vc e sua família.
Oi Ana, infelizmente a receita das polpetas morreram com ele, ninguém nunca soube seu segredo...obrigada, beijos,
Oi Andréia, acho que essa época mexe com todos nós não é? Ficamos mais sensíveis e saudosos mesmo, faz parte, pois é uma festa de família. Mas o importante é termos boas lembranças de tudo o que vivemos, não é mesmo? beijinhos,
Oi Norma, doces, muito doces mesmo. Amanhã vou lá sim, obrigada, beijos,
Oi Amara, obrigada, beijos,
Que coincidência, Betita, vc tb tinha um tio Alberto! O meu foi um tio muito querido...e olha, minhas polpetas ficaram deliciosas mesmo! Comi muito! hehe beijos,
Oi Hugo, obrigada, uma semana de paz e felicidade para vc tb! beijos,
Maria Izabel minha amiga San! Eu tinha acabado de pensar em vc, palavra! Quando abro os comentários, está o seu lá...que coisa! Obrigada minha amiga querida, sei bem o quanto torce por mim! E assim, vou eu, dando um passo de cada vez na direção das nuvens! O céu é meu limite...ou não haverá limites? Quem sou eu para o saber...vc, com certeza terá respostas...Beijos minha amada, Felizes festas pra vc e os teus! Bem Hajas!
Apaixonante esse tio Alberto!!! que pessoa maravilhosa!
obrigada por nos fazer conhecer uma pessoa tão especial!
beijos
Foi mesmo Nadiru, uma pessoa de coração de ouro, esse tio, que infelizmente já não está entre nós...beijos,
Oi Glorinha
São estas lembranças que nos fazem viver. Pessoas que nos fizeram sentir tanta felicidade, carinho e amor deixam marcas deliciosas que gostamos de recordar, por mais que nos deixe triste pensar que já não estão conosco.
Adorei conhecer o "tio Alberto".
Bjs no coração!
Nilce
Oh, minha querida! Obrigado por partilha connosco o sabor delicado e único das polpetas do vovô Beto. Pude sentir o indisfarçável sabor do Amor em cada uma delas. Bem Hajas!
Feliz tu, em teres tão gratas lembranças de Natais passados e longínquos. São essas lembranças o Tesouro que enriquece as nossas almas e nos faz verdadeiros homens e mulheres, completos.
Um longo abraço de amizade com votos dum Natal de Amor em família.
PS: desculpa a ausência, mas caí de novo numa fase mais acentuada da minha distimia e não gosto de passar só para dizer xau-xau bye-bye, apenas para me mostrar.
Cara Glorinha,
Venho agradecer e retribuir os votos de um Natal excelente! Que 2011 venha cheio de tudo o que você merece!
Grande abraço
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