quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Uma Estória de Família

Hoje lembrei de um episódio que aconteceu comigo quando era adolescente.
Plena ditadura militar, eu estudava num colégio estadual em Copacabana, o Infante D. Henrique.
Todos os dias, antes da aula começar, os alto falantes dos corredores despejavam os acordes do Hino Nacional. Tínhamos que nos levantar e ouvir o hino, cantando-o respeitosamente, como convém, diante de um símbolo da pátria.
Só que era a época do Ame-o ou Deixe-o, ano de 1970, o auge da ditadura e dos atos institucionais.
Havia um menino, muito moleque, de uma outra turma, que pintava e bordava no colégio, vivia de castigo ou suspenso porque aprontava todas.
Num dia em que ouvíamos o hino, ele adentrou em nossa sala de aulas e começou a nos reger. Ora, éramos adolescentes de seus 12 anos, a turma toda começou a vaiar o intruso, que muito esperto, saiu correndo.
Cinco minutos depois, ao término do hino, entra o diretor em nossa sala e pergunta quem vaiou.
Silencio total. Ele insiste. Silencio, dava para ouvir as moscas voando. Ele avisa que se os "culpados" pela vaia ao hino não se "entregassem", a turma toda seria suspensa. Silencio...
Ele grita, esbraveja, diz que vai esperar na sua sala que os culpados se apresentem ou então, que alguém denuncie os colegas. Nisso, uma menina se levanta. Nunca mais esqueci seu nome: Amanda. Era minha amiga. Passei a detestá-la depois disso.
Ela sai e depois de um tempo volta para a classe.
Em breve, uns dez nomes são chamados para ir à sala do diretor. O meu era um deles.
Nunca me senti tão injustiçada na minha vida. Eu tinha vaiado o menino. Eu e toda a turma. Vaiamos o menino, não o hino.
Meu pai foi chamado ao colégio.
Pensem bem, em tempo de ditaDURA! Antes meu pai me perguntou se eu tinha vaiado o hino. Eu expliquei a ele tudo o que aconteceu e ele me disse: acredito em você. E foi até lá.
Eu nunca soube o que aconteceu naquele interrogatório. O que perguntaram a ele e nem quem estava lá. Certamente alguém do Dops, a diretoria da escola, sei lá eu.
Punição:
Ficamos suspensos, acho que por dois ou três dias, não me recordo bem e teríamos que ir num sábado pela manhã ao colégio, fazer uma redação cujo tema era o amor à pátria.
Não tínhamos aula aos sábados. Isso era um castigo, fazer com que fôssemos até lá para escrever sobre isso.
Me lembro que escrevi sobre a injustiça e nunca mais me esqueci que terminei minha redação da seguinte forma:
" Mas se ergues da justiça
A clava forte
Verás que um filho teu
Não foge à luta
Nem teme quem te adora
A própria morte,
Terra adorada
Entre outras mil és tu Brasil
Ó pátria amada
Dos filhos deste solo
És mãe gentil
Pátria amada
Brasil!"

Dei um show, com doze anos, nos milicos e seus asseclas.
Não sei como não fui chamada novamente e meu pai interrogado por ter uma filha tão nova e já tão "engajada".
Tempos depois, um dia, fiz alguma coisa que ele não gostou e meu pai virou pra mim e falou: "Estou começando a duvidar de que você não tenha vaiado mesmo o hino..."Isso, vindo de meu pai que me ensinou a jamais mentir, me feriu de morte. Até hoje, quando me lembro disso, me vem lágrimas aos olhos.
Fiquei magoadíssima por meu pai duvidar de mim e da minha sinceridade.
Esse foi um episódio que me marcou para sempre e que me fez odiar ainda mais os militares e todas as ditaduras.
Viva a democracia, a liberdade de expressão e a justiça!
Que o meu país nunca mais passe pelo horror de uma ditadura.

22 comentários:

orvalho do ceu disse...

Olá, Glorinha querida
Desde o seu tempo juvenil mostrava que tinha garra no sangue que corria pelas suas veias. Parabéns!!!
Vamos festejar, duplamente, suas conquistas e fervor???
É PRIMAVERA!!!
Novo tempo!!!
Tempo de cantar com as flores...
Aqui em minha cidade inauguraram uma floricultura... que gente mais original!!!
Sabe, amiga, ouvir música... cantar... me faz pulsar o coração também... Respiro e solto o ar... suspiro... sou feliz!!!
Entoando sempre uma melodia não há FELICIDADE que se acabe...
De repente me surpreendo cantalorando... quando estou em TEMPO TRANQUILO...
Se não, as lágrimas embalam minha piedosa canção...
Um grande abraço primaveril...
Bjs floridos.

Unknown disse...

Boa noite Glorinha,

São episódios assim que marcam a vida da gente para sempre.

Fico pensando por que será que esta menina entregou alguns colegas se todo mundo vaiou?

Mas o tempo passou, estamos sem ditadura, e felizmente caminhamos rumo a uma democracia, caminhando lentamente é verdade, mas caminhando...

Beijos,

Desconstruindo a Mãe disse...

Oi, Glorinha!

Entrei aqui pra dizer que "antes tarde do que mais tarde", neste feriadão gaúcho que tivemos pelo 20 de setembro, falar de perdão na blogagem coletiva estava bem difícil, mas hoje saiu alguma coisa...

Quero te agradecer por nos encantar com tua capacidade de dividir experiências sem receio algum. E por teres proposto uma blogagem tão especial. Um desafio bem bacana.

Quanto à tua experiência deste POST, fico pensando em quanta gente está desiludida a ponto de pensar que na época da ditadura muitas coisas estavam melhores. E que os mais jovens, que andam tão apáticos, permitem que se perpetuem erros homéricos, estragos fenomenais.

Rezo pra que no dia 03 de outubro e em todos os outros as pessoas percebam que está em si a chance de se tornarem DONOS DA HISTÓRIA.

Beijo,
Ingrid

Valéria Russo disse...

GLÓRINHA...
já conhecia vc da elaine gaspareto, dos tres ship dogs e das tuas peripécias..
mas hoje parei aqui tentando ir até a joana..não consegui mas fiquei maravilhada com esse texto, me identifiquei muito e adorei tua postura..
realmente só quem viveu as agruras do regime sabe o que é sofrer..
detesto gente cagueta..adeio a amanda!!!kkk
adorei aqui , teu jeito expontaneo de escrever e da forma como as coisa rolam ..
com licença eu vou ficar.
que a primavera perfume teus caminhos e a liberdade seja sempre a máxima de nossas vidas.
um enorme bjuivo no coração.
loba.

Beth/Lilás disse...

Menina, coitado do teu pai! Naquela época, qualquer besteirinha transformava-se em 'caso suspeito'.
O seu texto ficou completo quando lembra o valor da democracia que conseguimos com tantas mortes e lágrimas, por isso ver uma ditadura se chegando sorrateiramente é motivo para muita preocupação e Deus nos livre ver duas vezes na vida coisas desse tipo!
beijocas cariocas

Astrid Annabelle disse...

Glorinha!
Vim deixar um beijo, matar a saudade, ler tudo que havia perdido, colocar o papo em dia!
Que lembrança essa a sua? Ô menininha malvada sô!!!!
Na escola havia disso mesmo...os linguarudos, as injustiças, os professores que selecionavam os alunos "especiais" (os mais ricos).
Uma verdadeira fauna...
Estudei no Bennett aí no Rio e no Mackenzie em São Paulo...tudo a mesma coisa!
Sobre política não falo...já falei demais lá no blog da Beth!!!Deu gastura!!!Sabe o que significa?rssss
Beijo muito grande e um abraço bem apertado.
Astrid Annabelle

Glorinha L de Lion disse...

Oi Rosélia, beijos floridos.

Glorinha L de Lion disse...

Oi Cê, vc acha que estamos caminhando pra uma democracia? Acho então que moramos em países diferentes amiga.bjs

Glorinha L de Lion disse...

Oi Ingrid, concordo! Que cada um faça a sua parte na história desse país.Eu venho tentando não é de hj. bjs.

Glorinha L de Lion disse...

Valéria, Hahahaha...tive que rir...Vc odeia a amanad! rsrsrs eu tb!!! Odeio até hj! Ela deve, inclusive, ser petista hj em dia! hehehehe. Tomara que os ares da primavera abram a cabeça dessa gente que não quer enxergar. bjs e obrigada pela visita.

Glorinha L de Lion disse...

Aff, meu pai deve ter sido interrogado pelo Gobery, lembra dele?hehe Ui...dá até arrepio de pensar nisso. O pior é que não há luz no fim do túnel, só escuridão e o trem ainda nem passou. Aguarde que vem coisa feia por aí...bjs.

Glorinha L de Lion disse...

Oi Astrid, saudades d'ocê tb! mas o pior é que a maioria de nós era de classe média, era delatou por falta de caráter mesmo...depois fui vendo como ela era vil. Deve fazer parte do governo hj a tal Amanda...rsrs bjs.

Unknown disse...

Bom dia Glorinha!!!
Eu concordo com vc, Viva a Democracia, com D e não a democracia petista, essa tô fora.
Mas me grande medo é que por causa dessa bandalheira petista - essa esculhambação, alguns setores da sociedade se achem os salvadores da pátria e algum golpe tome forma...tenho muito medo. Nossa democracia é muito fraca e fácil de se golpear. Desejo muito estar errada.
Tenha um lindo dia.
Beijos doces e perfumados.

Danieli disse...

Meus pais dizem que aqui no RS se via muito pouca coisa sobre a ditadura. Tinha, claro, que cantar o hino, não podia sair falando qualquer coisa, tinha toque de recolher...mas eu acredito que no Rio de Janeiro a coisa tenha sido realmente muito mais pesada.
Uma injustiça mesmo o que aconteceu. Ainda bem que hoje podemos falar sobre o que acontecia sem sermos criticados por isso. Viva a democracia!
Beijos!

jungleworldcitizen disse...

Que menininha má! Caguete é o cúmulo da chatice :p

Mas pior ainda é ser injustiçado, acusado de algo que não fez!

Continue dividindo as suas histórias, são boas de ler.

:)

Lis. disse...

E tudo em nome da ORDEM. rs

Glorinha L de Lion disse...

O pior Alê é que esse chavismo bolivariano que querem implantar por aqui, caminha para mais uma ditadura, que eles dizem ser de esquerda, mas que no final é de uma direita retrógrada e ultrapassada. Abramos os olhos! Vem coisa pesada por aí! bjs.

Glorinha L de Lion disse...

Majju, é pra ter medo mesmo. A coisa tá feia e vai ficar ainda mais. A gente tem que gritar e falar, assinar manifestos pq a democracia já está sendo roída pelas beiradas. bjs.

Glorinha L de Lion disse...

Oi Dani, podemos falar, por enquanto né? Vem coisa por aí...aguarde! bjs

Glorinha L de Lion disse...

Jungle, caguete sempre existiu e sempre existirá. Covardes sempre existirão. A gente tem que tomar cuidado é com o perigo que anda a rondar nossa DEMOCRACIA. bjs

Glorinha L de Lion disse...

Pois é Lis, pra tudo eles tem uma desculpa obscena....bj

Isadora disse...

Glorinha que loucura isso! Nasci na ditadura militar, 1971 e como era muito pequena acompanhei pouco desse momento pelo qual o País passou, mas o que me lembro antes da abertura política, eu já tinha uns 13 anos é que na minha casa não se falava sobre isso. Minha mãe, sei que não é engajada nesse tipo de causa, já meu pai não sei, mas já estive para perguntar por várias vezes e esqueço.
De qualquer forma por tudo que li, qualquer tipo de manifestãção era tratada como uma afronta, ainda que em nada tivesse ligação com o momento. A sinceridade de pouco importava, pois era mais fácil crer que adolescente de 12 anos eram revolucionários do que apenas adolescentes.
Um beijinho